Minha empresa ia de vento em popa.
Na verdade, ela não era minha. Era o diretor de vendas, não o dono. Mas como
todos aprenderam no treinamento, devemos sempre nos sentir um pouco donos de
onde trabalhamos. Sendo assim, tanto eu quanto todos da empresa intitulávamo-nos
possessores da empresa, que foi fundada pelo menos dez anos antes do
funcionário mais antigo.
Eu, como diretor de vendas,
aprendi muitas coisas. Aprendi a
valorizar mais as embalagens dos produtos. Pois, como aprendi no treinamento, quanto
maior a embalagem, mais o meu consumidor se interessaria. Também aprendemos a
nos apropriarmos do nosso público: meu consumidor.
É certo afirmar que não vi meu
filho crescer. Mas orgulho-me de colocá-lo no melhor colégio da cidade. Também
é certo afirmar que eu e minha mulher já não tínhamos o mesmo relacionamento.
Mas o crédito do cartão a deixava muito bem entretida. Quando a mim, a agenda
que o Tavares me comprou e fez questão de anotar os principais nomes das
garotas que caminhavam pela avenida mantinha-me um bom reprodutor. Conhecia
todas e todas sabiam meu cargo e minha importância na empresa.
Deixei de ser um homem emotivo.
Só exagerava meus sentimentos ao ver o comercial da minha empresa na televisão.
Certa vez passou até no intervalo do jogo. Senti que minha empresa era
importante e meu público a respeitava cada vez mais. Minha empresa ia de vento
em poupa.
Minha saúde, entretanto, havia
piorado. A responsabilidade que me era exigida me deixava um pouco mal. Minha
pressão arterial havia subido. Meu
casamento já estava debilitado há um bom tempo. Na última terça feira minha
mulher pediu o desquite. Ela disse que não queria mais dormir ao meu lado
exatamente dezessete minutos antes de eu entrar no meu turno extra. Disse a ela
que teria que trabalhar e depois conversaríamos sobre aquilo.
Meu turno extra foi terrível.
Sentia meu peito contrair-se. O escritório estava muito barulhento. Ouvia as
cadeiras rangendo, ouvia Tavares falando sobre custo benefício, leis de
administração. Ouvia a risada das pessoas. Eu tremia.
Você tá bem, amigão? Era Tavares.
Ele era meu superior e meu melhor amigo. Nossa empresa devia muito a nós. Tudo
bem, Tavares, só um pouco cansado. Meu amigo, vou lhe falar o seguinte: faz três
anos que você não tira férias. Eu vou preparar sua papelada no RH e a partir de
amanhã, considere-se livre. Tavares sorriu, apertou minha mão e virou-se de
costas.
Dormi na pousada com Vanessa, um
dos nomes do meu caderninho. Não fiz nada, apenas dormi com ela, paguei com meu
dinheiro e fui para a minha casa as sete da manhã. Minha mulher estava de malas
prontas, esperando o taxi. Ela disse que eu não havia dormindo em casa. Ela
estava indo embora. Mas e nosso filho? André já está me esperando no
apartamento novo. Vou embora.
Os quatorze dias que passei de
férias foram em casa, bebendo, assistindo tevê e planejando minhas planilhas
para quando voltasse ao trabalho. E fiz planejamentos maravilhosos, progressões
de custos e investimentos, reaproveitamento de mão-de-obra. Ficou incrível.
Quando voltasse, minha empresa avançaria ainda mais.
Na minha primeira segunda feira
de volta ao trabalho, antes mesmo de chegar à minha mesa, Tavares me pegou pelo
braço e me levou à sala dele. Meu amigo, como você está? Melhor? Sua pressão
está normal agora? Sim, Tavares, mas o que você quer? É que nosso diretor chefe
falou sobre você e sobre sua condição física e... E o quê, Tavares, desembucha.
E achamos melhor afastar você de suas funções em nossa empresa. Já contratamos
um substituto para seu cargo. Substituto, não... substituta. Vanessa tem um
ótimo currículo, certamente vai lhe substituir muito bem, não se preocupe.
Vanessa, pode entrar.
Olhei para Vanessa, completamente
perdido. Era a mulher do meu caderninho, que Tavares anotou especialmente para
mim. Olhei para minha pasta, com todos os planos para minha empresa crescer
ainda mais. Olhei para Vanessa novamente, a minha prostituta. Eu não acreditava.
Meu peito contraiu-se, novamente. Levantei, peguei meu carro e fui direto ao supermercado.
Eram nove horas da manhã. Comprei o maior produto que minha empresa vendia,
vinha embalado em uma caixa e, dentro da caixa, um grande saco de plástico o
envolvia. Comprei o produto, dirigi-me ao estacionamento e saí do mercado. Olhava
para a caixa com o nome da minha empresa. Fui ao dormitório. Pedi um quarto,
entrei com o produto. No quarto, liguei a televisão bem alto e, caoticamente,
rasguei a embalagem e abri o saco plástico. Retirei o produto. Lembrei sobre a
reunião de aprovação daquele produto. Lembrei de todos os corantes,
conservantes e glutamatos presentes naquela receita. Lembrei-me da mãe que
processou nossa empresa pela terrível alergia que seu filho contraiu. Lembro-me
da indenização e do rosto do moleque, completamente manchado por brotoejas.
Coloquei o saco plástico na minha cabeça e apertei muito. Nunca havia forçado
nada contra mim. Nunca fiz mal para mim. Apertava mais forte, o ar começava a
faltar, sentia meu rosto corar. Começou o comercial da minha empresa. Eu
apertava ainda mais forte. Muito forte. Vomitei e caí na cama. Afogava-me com
meu próprio vômito, era terrível. Tinha a impressão que meus olhos saltariam para
fora do meu crânio. Morri ouvindo o slogan da minha empresa, na tevê: fazemos o
melhor para você.
"Fazemos o melhor para você", sempre! Terrível realidade de um funcionário cachorro(palestras motivacionais do Daniel Godri).
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