Um casal

Eu não aguento mais a minha mulher. Ela é bonita, sim, mas toda a sua beleza e graça se vão quando eu lembro das picuinhas, das reclamações, das chatices dela. Ela se queixa de dor de cabeça, de menstruação, de toalha mal estendida no varal. Ela critica as minhas coisas, o meu armário, as minhas roupas. Até o jeito que eu escovo os meus dentes está errado. Ela reprova o meu tempo no banho, o meu tempo na televisão, o meu tempo no mercado. Ela não gosta nem dos meus amigos. E ela acha que eu não preciso de carinho. Ela não sabe a falta que isso me faz. Não tenho vergonha de admitir, gosto que ela mexa no meu cabelo, gosto de abraçá-la. Mas ela nunca mais mexeu no meu cabelo. A última vez foi pra tirar uma penugem. E só. Ela esfriou tanto. E está ficando cada vez mais folgada. Agora ela usa o meu carro, que eu comprei com o meu dinheiro, para ir trabalhar. Isso é um absurdo, eu acho. E eu tento falar com ela, perguntar o que está havendo. Mas ela finge que eu não existo. Fala 'está bem, depois conversamos' e pega o meu carro e sai. E eu tenho que ir a pé. E para piorar, perto do meu trabalho tem uma construção. E os pedreiros ficam me chamando de gostosa, de docinho, de cheirosa. Eu acho isso um tremendo desrespeito. Mas fico com saudade de ser chamada de gostosa, de docinho, de cheirosa pela minha mulher.

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