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quarta-feira, 27 de junho de 2012

A missa




Lembro que quando tinha uns dezesseis, dezessete anos, minha única e grande diversão era ir à missa com minha mãe. Católica fervorosa, começou a me levar nas eucaristias, cercos de Jericó e missas desde meus quatro anos. Com o tempo aprendi a gostar muito desses ambientes.

Quando a menarca veio, tardia, aos meus quinze anos, fiquei desesperada. Chorei compulsivamente enquanto via minhas mãos ensanguentadas. Corri à minha mãe e, enquanto via minhas pernas sendo manchadas por sangue, levava três tapas na cara. Me limpei e corri para a igreja, para falar com o padre. Confessar meu novo pecado.

Padre, me perdoe, eu pequei. Mas por quê, minha filha? E contei a ele o que havia acontecido. Ele demonstrou muito interesse no meu caso e pediu para que eu contasse mais. E prossegui até às lágrimas novamente. Reze um terço todas as noites e que deus lhe abençoe.

O padre Gerônimo, grande conhecido da pequena cidade onde morava, saiu de sua cabine e veio até mim. Segurou minhas mãos. As dele estavam quentes e macias. Falou: Não se preocupe. Vai ficar tudo bem.
A partir desse dia, comecei a sentir que meu corpo mudava. Ganhei um pouco de peso. Meus seios cresciam. Usava mais blusas para minha mãe não perceber. Vieram algumas espinhas em meus rosto. Mas não foi apenas eu que mudei. Alguns garotos da minha escola e os dois professores passaram a me tratar diferente. Os homens, na missa, me tratavam de forma mais cordial, gentil. Me sentia muito confusa, realmente não sabia o que fazer. Cresciam pelos em mim. Em vários lugares, realçando meu pecado, destacando os motivos para minha mãe me desferir tapas no rosto, confissões com o padre Gerônimo, as suas mãos quentes e macias, os terços matinais.

Mas de todos os tapas, de todas as surras que tomei da minha mãe a pior foi quando tinha dezessete anos. Foi na missa dominical, três dias após meu aniversário, que não foi comemorado. Às oito e meia da manhã estavam todos na pequena igreja, abarrotando-a. O ambiente era sempre quente e úmido. A voz do padre Gerônimo reverberava pelo local. Os cantos e louvores levavam as pessoas ao delírio. E eu observava tudo aquilo, com insegurança e felicidade. Olhava para o padre, com suas vestes, do alto do púlpito. Olhava as figuras de santos. A virgem Maria. O corpo esguio e suado de Jesus Cristo, a martirizar-se na cruz. Os cantos vinham cada vez mais intensos, cada vez mais oníricos. O barulho era generalizado. E eu cantava, proclamava, com louvor, minha fé em Deus. Em Jesus Cristo. No Padre Gerônimo. Nos meus dois professores e em todos os garotos do colégio. Nos filhos das senhoras, presentes na igreja. Eu cantava alto, com todos. Transpirava. Me toquei suavemente e vinte segundos depois eu sentia como se estivesse explodindo. Me contraía, não parava de cantar com a multidão. E me toquei mais uma vez. Me sentia possuída. No meio da multidão, me contraía. Todos foram convidados a sentar para prosseguir a fala do padre Gerônimo, mas não dei ouvidos. Eu gritava, não conseguia me conter. Minha mãe me olhava, assustada. Suas sobrancelhas franziam. Foram cinco segundos de total silêncio na igreja. Minha mãe me puxou pelos cabelos e me arrastou para fora. Dos tapas que levei, perdi três dentes. Meu rosto parecia verter sangue. Eu olhava para minha mãe, do chão. Ela gritou: Que deus te abençoe e te perdoe, sua suja, sua ingrata! Eu respondi, amém, mamãe, e desmaiei, sorrindo.
5 Somos Bem Normais: A missa Lembro que quando tinha uns dezesseis, dezessete anos, minha única e grande diversão era ir à missa com minha mãe. Católica fervoros...

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