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domingo, 30 de outubro de 2011

Minha consulta de sábado à noite

Comprei arroz, carne, massa de tomate, cebolas, alho, óleo. Gosto de cozinhar. Me sinto poderoso. Gosto de dar prazer para quem come o que eu faço. A colher de pau é um instrumento fálico. Dá poder. O frigir da cebola na panela, o cheiro da carne fritando, os temperos. Eu estava cheiroso e de banho tomado. Ela apareceu. Era bonita, alta. Psicóloga.

Trepar com uma psicóloga não era algo muito favorável. Um dia um professor amigo meu, Ricardo (aquele homem sim, sabia ser um bom filho da puta), sempre me falou: pedagoga e psicóloga não se trepa. Elas vão tentar entender você. E você não vai querer isso, né? Enfim. Tinha o risoto a meu favor e o diploma dela contra mim. Mas prometi pra mim mesmo: se ela perguntar da minha infância, não vou chorar meus traumas. Vai que ela cobra pela consulta? 

Ela apareceu. Linda, um beijo molhado e sentou. Coloco o arroz para cozinhar no molho e falo com ela, conversa fiada. Você está linda hoje. Como se ela não soubesse. Eu fico pensando: nós, humanos, e principalmente algumas mulheres, precisam de uma constante confirmação de suas habilidades para se sentirem seguros. Entende? Tem mulher que precisa que fiquem falando o quão linda e bem arrumada é. Mas ela não. Era psicóloga. Esses psicólogos sempre são cheios de confiança. Que nem os pedagogos. Mas os psicólogos tem razão em ser.

O risoto estava delicioso. Ela adorou. Falou que eu cozinhava bem. Agora eu pensava: será que ela está falando isso pra me agradar, pra não ferir minha estima, pra eu comer ela direito? É bom mesmo: coma direitinho pra que eu possa comer direitinho. 

O risoto é um prato típico para conseguir uma mulher. A começar pela cor: o vermelho chama atenção. Além disso, o arroz é rico em carboidratos, o que faz com que a pessoa sinta um leve sono após a refeição. A única coisa que ela não esperava de mim eram as duas gotinhas de Rivotril no vinho. Jogo sujo? Que pena. Um amigo meu, japonês, um dia falou que eu era uma pessoa muito fria. Um nato filho de uma puta. Eu me defendo: não sou filho da puta, eu só tento fazer com que as coisas se aproximem de mim, da forma que eu quero. O Rivotril era isso. Ponto pra mim. Na segunda taça de vinho (o Rivotril era só na primeira, não queria foder ninguém dormindo) ela já estava profundamente tranquila, sorridente. Aquele era o risoto mais fácil da minha vida. 

Não há nada mais bonito para mim do que ver uma mulher se contorcer. Perceba: a pesar de todo mundo me achar um filho da puta, eu cozinho para a pessoa, dou vinho, Rivotril e ainda dou a minha cama. Como que alguém que alimenta outra pessoa, dá de beber, dá conforto e cama pode ser um filho da puta? Esse mundo é muito injusto. Enfim: não há nada mais bonito do que ver uma mulher se contorcer. Se houvesse um deus, seria a Química. A química é o que faz você estar lendo o relato da minha foda. A química é o que fez o seu pai trepar com a sua mãe; A química é o que faz com que adolescentes idiotas se apaixonem sem nenhuma razão aparente. A química constrói, destrói. Mata. Há algo mais divino que isso? Não há nada mais bonito para mim do que ver uma mulher se contorcer.

Depois do sexo, caloroso, ela esfaleceu, caiu no sono. Gosto de fumar um cigarro depois de toda foda, fui pra área de serviço. De cueca. Missão cumprida, amanhã a solidão volta ao normal. Fumar sozinho é algo muito bonito, é um ritual interessante. Podemos pensar na vida em paz enquanto suspiramos levemente cada nuvem de fumaça. Pensei na psicóloga. Ela é realmente linda. Eu gosto de ver mulheres dormindo, é atraente. Me excita.

Eu confesso que nunca tinha, até então, trepado com uma mulher dormindo. É interessante, é bonito. Fiz o que pude e o que eu quis, foi o suficiente. Tomei meus remédios e dormi, do lado dela. 

Acordei, ela ainda estava dormindo, silenciosamente. Pensei: deve estar exausta, o Rivotril dá um sono mesmo. Fumei um cigarro, dois, três e ela ainda estava dormindo. Cheguei a cogitar a possibilidade de mais uma trepada. Será? Fui ao quarto. Ela estava lá, deitada, linda, parada. Gelada. Ela morreu. Puta que o pariu. No laudo, parada cardiorrespiratória. Falei para os peritos que ela estava numa fase difícil, tomando remédio controlado. Acho que era Rivotril o nome. Nunca quis matar ninguém; Mas não foram aquelas duas gotinhas que a mataram, não sei. O que sei é que trepei com um cadáver e nunca vou ficar sabendo se ela gostou da nossa noite. O ser humano é assim, precisa de uma constante confirmação de suas habilidades para se sentirem seguros. Entende?
5 Somos Bem Normais: Minha consulta de sábado à noite Comprei arroz, carne, massa de tomate, cebolas, alho, óleo. Gosto de cozinhar. Me sinto poderoso. Gosto de dar prazer para quem come o que ...

Um comentário:

  1. Ducaraaaaai!!! Quando eu li a parada do rivotril no vinho (e nem sabia que tinha líquido. Tem?) eu pensei logo em comentar que poderia causar parada cardio-respiratória. E logo pensei 'que mania chata que esse povo da medicina tem de sempre falar de doença e remédio'...

    Achei muito bom o conto, muito mesmo. Particuarmente tenho afinidade por psicólogas, embora não tenha transado com uma delas, ainda, e agora você me desencorajou ainda mais. Mas você tem razão, elas vão querer descobrir meus traumas que nem eu sei que tenho, e me entender, e saber o porquê de cada coisa, e etc etc etc, de fato deve ser muito chato.

    Abraço

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