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terça-feira, 16 de outubro de 2012

Ninguém pode deter o amor



Dona Olga fez várias perguntas antes de me aceitar como morador de sua pequena casa. Antecedentes, sobrenome, família, namoro. Perguntou se eu bebia, se eu fumava. E enfim que me aceitou como morador de sua casa, me dando abrigo, comida, sabonetes e mais uma pequena quantia em dinheiro por mês. Para cuidar dela. Eram três manhãs levando-a para passear e os domingos dedicando algumas horas conversando com a senhora. Estava com dezessete anos, entrando na faculdade. Era uma cidade nova para mim. Não muito grande, uns oitenta ou cem mil habitantes. Mas me sentia desconfortável. Era tudo novo. As pessoas, o sotaque, alguns costumes. A falta que tinha da minha família, do conforto de casa. Minha cama, meus lençóis.
O curso começou em fevereiro. Escolhi história. Aquela foi a única universidade que consegui entrar. Comecei bem, me sentia motivado a encarar todas aquelas mudanças em minha vida e rotina. As aulas eram todas durante as noites. Assim, nas manhãs eu levava dona Olga para passear ou estudava, arrumava minhas coisas. Lia bastante e já pensava em poder arrumar um outro emprego, um salário de verdade em vez do que ganhava como acompanhante da senhora. A pesar de que conversar com aquela velha mulher me deixava bem. Ela falava de seu passado, de sua juventude. Seus costumes, seu casamento, seu filho único que ela jura ser um homem bem sucedido em alguma cidade maior do país. Gostava de escutá-la. Mas ainda assim sentia que precisava de um pouco mais de dinheiro ao mês. Decidi falar para ela.
“Vou passar o telefone da Bernadete. Ela tem uma filha que precisa de cuidados. Acho que você pode cuidar dela assim como de mim, em outros turnos. O que acha, meu filho?”. Achava ótimo. E logo tratei de ligar para Bernadete. Disse-me para ir à velha casa que morava com a filha, Júlia. E eu fui.
A casa era realmente velha. Mas por dentro, bem arrumada e muito decorada. Tapetes, muitos tapetes, quadros, pequenas mesas com bombonières, porta-retratos e uma infinidade de artigos de decoração. Dona Bernadete era uma senhora muito simpática e doce. Me ofereceu algo para comer e um chá, mas aceitei apenas a bebida. Me falou que estava precisando de alguém que cuidasse de Júlia. Tadinha, como a senhora dizia, precisava de cuidados especiais. Era jovem, foi a última filha de dona Olga. Se sentia sozinha e um pouco deprimida. “Você faria isso por mim e pela Júlia, meu jovem?”. É claro que sim. E fui conhecer Júlia.
Ela estava deitada, dormindo no quarto. Ela estava com vinte anos. Dormia com o rosto virado para o lado, sua boca aberta. Suas pernas um pouco dobradas, roncava um pouco. Suas sobrancelhas eram escuras e um pouco grossas. Ela era um pouco gorda e possuía uma série de acnes em seu rosto. Me agradou vê-la dormir. Aceitei o emprego e começaria no dia seguinte.
Acordei cedo, aprontei o café da manhã, dona Olga sentou, comeu. Se arrumou e fomos caminhar um pouco, pela rua da casa e uma paralela. Voltamos, dona Olga me agradeceu e me desejou sorte. Fui direto para a casa de dona Bernadete. E ela me recebeu com um grande sorriso e um abraço. Me agradeceu por estar lá, era uma grande ajuda para sua filha. Pediu para que aguardasse enquanto terminaria de trocar a menina.
Júlia, ao me ver, pareceu muito emocionada. Seus olhos eram de um negro intenso. E brilhavam. Ela parecia ter gostado. Olhava para sua mãe, que estava empurrando a cadeira de rodas da filha. Feliz. Estendi a mão para Júlia e olhei para dona Bernadete. Peguei a cadeira de rodas e fomos passear.
Fazia sol, era uma manhã muito bonita. Eram dez horas. Júlia parecia se sentir muito bem. Tentei fazer algumas perguntas, mas ela apenas me olhava. Descobri que tinha um problema na fala, parecia um pouco engasgada. Mas eu também estava gostando do passeio. Levei-a de volta para casa já perto do meio dia. Dona Bernadete fez questão de me pagar ali mesmo. Agradeci e voltei para casa.
A partir deste dia, do meu novo emprego, comecei a me sentir muito bem. Comecei a tirar notas melhores na faculdade. Me alimentar melhor. Sentir menos saudade de casa. Me sentir mais feliz. Em nossos passeios, Júlia era sempre radiante, do seu jeito. Sua pele, oleosa, brilhava no sol da manhã. Suas sobrancelhas marcavam seu rosto. E assim minha vida continuava. Dona Olga gostava de mim, ainda dedicava meu tempo a ela. Ela vinha me dizendo que eu parecia melhor, estava tomando forma. E fui pegando confiança com Bernadete e Júlia. Em dois meses eu já trocava as fraldas da jovem. E eu fazia isso toda vez que chegávamos de nosso passeio matinal. Júlia apenas sorria. E me fitava.
Meus professores me parabenizavam. Estava indo bem no curso. E comecei a levar Dona Olga para a feira nas segundas feiras. Ela gostava e gostava de conversar com as pessoas. E comecei a levar Júlia para ver o pôr do sol, logo antes de pegar o ônibus para a faculdade. Estava tendo grande confiança de dona Bernadete. E Júlia parecia gostar. E me olhava. Na casa dela, enquanto trocava seu fraldão, eu pensava que poderia estar gostando daquela menina. Eu me sentia muito bem com ela. E o seu olhar me fazia sentir muito bem.
Os dias passavam e eu percebia que dona Olga tornou-se um pouco mal humorada. Reclamava constantemente sobre alguma coisa da casa. Sua expressão começou a se fechar. Falava que não estava dando para ela a atenção que merecia. Eu sabia que a velha tinha razão, meus esforços estavam se voltando mais para Júlia e seus olhos. Os dias passavam e eu vi a harmonia da casa onde morava desabar, vir à zero.
Na quarta feira eu fui levar dona Olga para passear. Caminhamos quietos. Quando chegamos em casa, ela me disse com sua voz trêmula: você está dando atenção para aquela retardada mental e paralítica e está se esquecendo de mim. Eu é que consegui esse emprego para você, eu é que estou te sustentando. E você vai lá e troca as fraldas daquela mula? Bernadete está muito feliz. Disse que você é um ótimo rapaz. Eu quero que você vá embora daqui. Vá lá com a sua retardada mental.
Eu realmente não sei o que ocasionou toda essa raiva em dona Olga. Mas não consegui conter o ódio ao ouvir o que ela estava me dizendo. Estava me sentindo consumido por aquelas palavras. Ela parecia encher sua boca enrugada para falar a palavra ‘redardada’. Aquilo ecoava em minha cabeça. Paralítica, mula, retardada, os olhares das pessoas na rua ao me verem empurrando a cadeira de rodas. Os olhos dela, as sobrancelhas, o pôr do sol. As fraldas. Peguei a tesoura que descansava em cima da mesa e enfiei em dona Olga até a velha apertar minhas mãos, pedindo misericórdia. Cravei o instrumento em seu peito e levei o cadáver para o quarto dela. Limpei todo o sangue que ficou na sala. Notei como o tempo passou. Eram quatro e quinze da tarde. Tomei banho, me troquei e fui para a casa da Júlia. Estava me sentindo em êxtase. Caminhava realmente rápido, até chegar á casa dela. E tudo passou. Me sentia ótimo com Júlia. Seu olhar ao me assistir passando o lenço umedecido em suas coxas, trocando sua fralda. Levando-a para passear.
Ficamos no pôr do sol até às seis horas. Resolvi comprar um sorvete para nós. A sensação era muito boa. Dona Olga havia sumido do mundo e da minha cabeça. Pouco importava. Liguei para dona Bernadete, se poderia passar mais uns momentos com Júlia. Iríamos jantar, não tinha aulas. Ela respondeu que sim e agradeceu, de coração.
Levei Júlia para minha casa, deitei-a na minha cama. Troquei sua fralda novamente. Lenço umedecido, os olhares felizes, a sobrancelha, o rosto. Era um momento especial. Nos beijamos. Ela permanecia de olhos abertos. Continuamos. Eu passava minhas mãos pelas suas coxas molhadas e ela começava a suspirar. Me sentia muito excitado. Virei ela de lado e penetrei entre suas pernas. Ela soltou um forte suspiro e passou a gemer um pouco alto, com grunhidos descompassados. Ficamos naquela cama por mais de uma hora. Foi maravilhoso. Ao final, quando estávamos deitados, juntos, ela me olhou e disse, com sua boca salivando, sua voz completamente embargada, desafinada e ofegante: eu te amo. Sou a pessoa mais feliz do mundo.
5 Somos Bem Normais: Ninguém pode deter o amor Dona Olga fez várias perguntas antes de me aceitar como morador de sua pequena casa. Antecedentes, sobrenome, família, namoro. P...

2 comentários:

  1. Muito obrigado pelos instantes de entretenimento nessa tarde enfadonha... meu café ficou mais saboroso.

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  2. Achei que forçou uma situação muito trágica com o assassinato, afora isso gostei bastante. E apesar é juntinho, não é?

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