Dona Carmen viveu onze anos ao
lado de seu grande amor, Antônio. Se conheceram na juventude e a paixão foi
arrebatadora. Primeiro, os olhares cruzando nas festas da capela.
Posteriormente, os bilhetinhos entregues por amigas e amigos. E os beijinhos,
os primeiros encontros. E mais beijinhos. E o noivado, a conversa com o pai. O
medo, a aflição do casamento. E a festa. E anos de um amor puramente
verdadeiro. Antônio era gentil, um rapaz cordial e querido por todos da pequena
cidade. Carmen era uma mocinha muito recatada, querida pela vizinhança e vista
com bons olhos por todos. Esta noite Antônio sofreu um mal súbito. O médico não
conseguiu constatar com firmeza, mas provável que seria um infarto fulminante
ou algo do tipo. Carmen desconsolou-se. Perdeu-se em todas as lágrimas
choradas. Estava em prantos.
O velório, sediado na casa do
finado e da viúva, reuniu muitas pessoas, a pesar do tamanho da casa. Para
melhor organização, os vizinhos entravam em quinze pessoas por vez. E Carmen
ficava lá, olhando para o seu amor, agora frívolo e quieto. Ela estava em
prantos. Augusto chegou perto da viúva e, tentando consolá-la, disse:
- Era um ótimo homem, dona
Carmen. Vai fazer muita falta para nós. Mas acredito que esteja indo para um
belo lugar, com a graça de deus e de nosso padroeiro. Ele estará confortável
agora e também confortando a senhora.
- Obrigado pelas palavras, senhor
Augusto, - Carmen enxugava as lágrimas em seu lenço – eu quero agradecê-lo por
estar sempre ao nosso lado, desde o começo. Agradeço-lhe por tudo.
- A senhora não precisa me
agradecer, se estive ao seu lado este tempo e agora mesmo, foi por pura vontade
e todo o prazer.
- Obrigado, senhor Augusto.
- Se me permite, dona Carmen, vou
pedir um chá para a senhora. Deve se recompor.
- Obrigado.
Augusto, homem cavalheiro, bonito
e ágil, providenciou o melhor chá para dona Carmen. E entregou à ela. Durante o
velório, olhava para Antônio e entristecia-se, pois sabia que iria perder seu
grande colega e companheiro fiel das grandes conversas e diversões no centro da
cidade. E também sentia por Carmen, a jovem viúva, tão jovem para desperdiçar
sua beleza e disposição com esta perda.
- Senhor Augusto? – Ele conhecia
esta voz há anos.
- Sim, dona Carmen. Precisa de
algo?
- Não exatamente, só queria falar
um pouco. Sinto dor. Dói muito esta perda para mim, Antônio significava tudo em
minha vida. Foi meu primeiro e único homem, foi quem trabalhou por nossas
vidas. Dói, entende?
- Eu compreendo. Estive pensando
em seu caso, uma mulher tão jovem e bela como você, perder um amor desta
forma... me entristece. Perdoe-me se pareço indelicado neste momento, mas
acredito que a senhora tem ainda muita vida para oferecer a si mesma.
- Obrigado pelas palavras, senhor
Augusto. O senhor está sendo importantíssimo neste momento. Me sinto um pouco
mais acalentada. – e Carmen o abraçou calmamente.
Augusto teve seu terno umedecido
pelo rosto da viúva.
Cinquenta minutos se passaram e o
homem precisava ir ao banheiro. Era uma pequena indelicadeza, mas haveria de
ir. E caminhou até a porta, conhecia a casa de cor e, obviamente, o caminho do
banheiro, onde lembra-se muito bem encontrar peças íntimas de Carmen. Pensou em
apagar essas lembranças e apenas ir ao banheiro. A casa estava barulhenta, as
pessoas estavam agora dedicando mais cinco pais-nossos ao falecido.
Virando para a direita, ao fim do
corredor, Augusto empurrou a maçaneta. E lá estava Carmen, levantando-se
rapidamente, num susto.
- Senhor Augusto, eu, eu... mil
desculpas, desculpe-me, esqueci de trancar a porta. A minha cabeça anda
confusa...
Naquela ocasião Augusto não pode
conter sua libido. Não pode conter o volume em sua calça do terno, não pode
conter o desejo por Carmen, frágil, dócil, indefesa e, como ela mesma disse,
confusa.
- Não precisa se desculpar, dona
Carmen. Eu é que peço desculpas. Confesso que não posso conter meu desejo em
lhe tocar neste momento. Me desculpe, novamente.
E Carmen caminhou lentamente em
direção à porta do banheiro, passando por Augusto, olhando-o fixamente nos
olhos, meio desespero, meio prazer. Augusto a pega pela mão e a traz novamente
para o banheiro. A porta se fecha. A expressão de Carmen muda e ambos estão no
menor cômodo da casa, trocando beijos e suspiros intensos. Ouvindo o pai nosso
da compaixão dos vizinhos. Augusto tapando a boca de Carmen, segurando os
gritos. E ambos se contorcendo. Ambos morrendo de prazer. Ouvem um grito: eu
quero falar com a Carmen. Onde está Carmen? Eu quero falar com ela.
Carmen sai em grande susto do
banheiro e Augusto, para despistar, permanece no cômodo, completamente
atordoado. E Carmen vem para a sala, novamente aos prantos, gelada em pânico.
Era uma mulher, com seu rosto irado.
- Você que é a Carmen, então? Vim
apenas lhe avisar que seu marido falecido estava traindo você comigo. É isso
mesmo. – a mulher gritava e assustava a todos na sala – Estou grávida agora, e
o filho é dele. Eu odeio este homem!
A mulher tentava romper a
barreira das pessoas para avançar no caixão. Carmen caiu de joelhos no chão,
mãos no rosto. Ouviu uma mulher, carola, cochichar para outra:
- Homens adúlteros sofrem nas
mãos de deus.
A outra respondeu um pouco mais
alto:
- E esta maluca é casada, eu a
conheço. Adúlteras merecem o castigo e a dor pela eternidade. Deus tenha
piedade da pobre Carmen.
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