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quarta-feira, 25 de julho de 2012

O Luto



Dona Carmen viveu onze anos ao lado de seu grande amor, Antônio. Se conheceram na juventude e a paixão foi arrebatadora. Primeiro, os olhares cruzando nas festas da capela. Posteriormente, os bilhetinhos entregues por amigas e amigos. E os beijinhos, os primeiros encontros. E mais beijinhos. E o noivado, a conversa com o pai. O medo, a aflição do casamento. E a festa. E anos de um amor puramente verdadeiro. Antônio era gentil, um rapaz cordial e querido por todos da pequena cidade. Carmen era uma mocinha muito recatada, querida pela vizinhança e vista com bons olhos por todos. Esta noite Antônio sofreu um mal súbito. O médico não conseguiu constatar com firmeza, mas provável que seria um infarto fulminante ou algo do tipo. Carmen desconsolou-se. Perdeu-se em todas as lágrimas choradas. Estava em prantos.

O velório, sediado na casa do finado e da viúva, reuniu muitas pessoas, a pesar do tamanho da casa. Para melhor organização, os vizinhos entravam em quinze pessoas por vez. E Carmen ficava lá, olhando para o seu amor, agora frívolo e quieto. Ela estava em prantos. Augusto chegou perto da viúva e, tentando consolá-la, disse:

- Era um ótimo homem, dona Carmen. Vai fazer muita falta para nós. Mas acredito que esteja indo para um belo lugar, com a graça de deus e de nosso padroeiro. Ele estará confortável agora e também confortando a senhora.

- Obrigado pelas palavras, senhor Augusto, - Carmen enxugava as lágrimas em seu lenço – eu quero agradecê-lo por estar sempre ao nosso lado, desde o começo. Agradeço-lhe por tudo.

- A senhora não precisa me agradecer, se estive ao seu lado este tempo e agora mesmo, foi por pura vontade e todo o prazer.

- Obrigado, senhor Augusto.

- Se me permite, dona Carmen, vou pedir um chá para a senhora. Deve se recompor.

- Obrigado.

Augusto, homem cavalheiro, bonito e ágil, providenciou o melhor chá para dona Carmen. E entregou à ela. Durante o velório, olhava para Antônio e entristecia-se, pois sabia que iria perder seu grande colega e companheiro fiel das grandes conversas e diversões no centro da cidade. E também sentia por Carmen, a jovem viúva, tão jovem para desperdiçar sua beleza e disposição com esta perda.

- Senhor Augusto? – Ele conhecia esta voz há anos.

- Sim, dona Carmen. Precisa de algo?

- Não exatamente, só queria falar um pouco. Sinto dor. Dói muito esta perda para mim, Antônio significava tudo em minha vida. Foi meu primeiro e único homem, foi quem trabalhou por nossas vidas. Dói, entende?

- Eu compreendo. Estive pensando em seu caso, uma mulher tão jovem e bela como você, perder um amor desta forma... me entristece. Perdoe-me se pareço indelicado neste momento, mas acredito que a senhora tem ainda muita vida para oferecer a si mesma.

- Obrigado pelas palavras, senhor Augusto. O senhor está sendo importantíssimo neste momento. Me sinto um pouco mais acalentada. – e Carmen o abraçou calmamente.

Augusto teve seu terno umedecido pelo rosto da viúva.

Cinquenta minutos se passaram e o homem precisava ir ao banheiro. Era uma pequena indelicadeza, mas haveria de ir. E caminhou até a porta, conhecia a casa de cor e, obviamente, o caminho do banheiro, onde lembra-se muito bem encontrar peças íntimas de Carmen. Pensou em apagar essas lembranças e apenas ir ao banheiro. A casa estava barulhenta, as pessoas estavam agora dedicando mais cinco pais-nossos ao falecido.

Virando para a direita, ao fim do corredor, Augusto empurrou a maçaneta. E lá estava Carmen, levantando-se rapidamente, num susto.

- Senhor Augusto, eu, eu... mil desculpas, desculpe-me, esqueci de trancar a porta. A minha cabeça anda confusa...

Naquela ocasião Augusto não pode conter sua libido. Não pode conter o volume em sua calça do terno, não pode conter o desejo por Carmen, frágil, dócil, indefesa e, como ela mesma disse, confusa.

- Não precisa se desculpar, dona Carmen. Eu é que peço desculpas. Confesso que não posso conter meu desejo em lhe tocar neste momento. Me desculpe, novamente.

E Carmen caminhou lentamente em direção à porta do banheiro, passando por Augusto, olhando-o fixamente nos olhos, meio desespero, meio prazer. Augusto a pega pela mão e a traz novamente para o banheiro. A porta se fecha. A expressão de Carmen muda e ambos estão no menor cômodo da casa, trocando beijos e suspiros intensos. Ouvindo o pai nosso da compaixão dos vizinhos. Augusto tapando a boca de Carmen, segurando os gritos. E ambos se contorcendo. Ambos morrendo de prazer. Ouvem um grito: eu quero falar com a Carmen. Onde está Carmen? Eu quero falar com ela.

Carmen sai em grande susto do banheiro e Augusto, para despistar, permanece no cômodo, completamente atordoado. E Carmen vem para a sala, novamente aos prantos, gelada em pânico. Era uma mulher, com seu rosto irado.

- Você que é a Carmen, então? Vim apenas lhe avisar que seu marido falecido estava traindo você comigo. É isso mesmo. – a mulher gritava e assustava a todos na sala – Estou grávida agora, e o filho é dele. Eu odeio este homem!

A mulher tentava romper a barreira das pessoas para avançar no caixão. Carmen caiu de joelhos no chão, mãos no rosto. Ouviu uma mulher, carola, cochichar para outra:

- Homens adúlteros sofrem nas mãos de deus.

A outra respondeu um pouco mais alto:

- E esta maluca é casada, eu a conheço. Adúlteras merecem o castigo e a dor pela eternidade. Deus tenha piedade da pobre Carmen.
5 Somos Bem Normais: O Luto Dona Carmen viveu onze anos ao lado de seu grande amor, Antônio. Se conheceram na juventude e a paixão foi arrebatadora. Primeiro, os ...

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