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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Tudo o que esperamos não vai acontecer

Quando eu era mais jovem, há uns quinze anos talvez, eu sonhava em encontrar o amor assim: de repente. Sempre criei muitas expectativas, sempre imaginei tudo o que poderia acontecer nos minutos, horas e dias seguintes. Já criei como seria o encontro com a mulher da minha vida, o atropelamento do porteiro, o meu casamento, a morte dos meus pais e a minha própria. Ainda assim, eu era a pessoa mais previsível que já tinha conhecido. Eu era sozinho, meus pais eram vivos, nada acontecia, nada surpreendente, nada fantástico.


Se alguém me convidava para sair, com certa antecedência, eu ficava mal. Muito ansioso, criava todas as possibilidades que poderiam acontecer, todo o inesperado que me aguardava, ou o amor da minha vida ou a desgraça mais trágica.

Morava em um condomínio com doze prédios. Uma rua cortava toda a extensão. Ao lado esquerdo, os prédios, enfileirados, com uma calçada e algum gramado. Ao lado direito desta rua, garagens. Havia um controle rígido sobre a entrada de carros desconhecidos no condomínio.

Como eu não fumava dentro de casa, resolvia descer do meu apartamento e fumar andando pelas calçadas ou sentado na pequena praça, logo na entrada do condomínio. Enquanto caminhava, imaginava tudo o que poderia acontecer. As janelas dos banheiros eram de fácil arrombamento, as portas eram frágeis, os paralelepípedos da calçada poderiam arrancar facilmente unhas das crianças que corriam por lá, da mesma forma que o porteiro poderia perder uma das mãos ao tentar fazer funcionar o motor do portão da entrada do condomínio.

Certa tarde eu desci para mais um cigarro. Percebi que havia um carro tentando adentrar o portão sem sucesso. Para entrar era preciso um pequeno controle remoto e era provável que quem estava no carro não o possuía. Fui caminhando em direção à pequena praça e percebi que dentro do carro havia três homens jovens e o porteiro não estava. Foi o suficiente para eu imaginar que, se conseguissem a entrada para o condomínio, poderiam começar uma chacina inesquecível, matar todos, inclusive as crianças. Os homens pareciam apreensivos. Imaginei que poderia ser um complô com o porteiro, que não estava em sua guarita propositalmente. Imaginei que poderiam estuprar alguma moradora entrando pela pífia janela do banheiro. Eu imaginava sangue, muitos gritos e as balas transpassando as janelas dos apartamentos. Eu conseguia prever as capas dos jornais, as reportagens falando sobre o número de mortos. Eu via os carros do Instituto Médico Legal entrando para recolher os cadáveres mortos. Lembrei com conforto que havia comprado uma calça nova para meu terno, caso continuasse vivo para comparecer ao enterro dos conhecidos. Eu me aproximava gradativamente, com o cigarro em mãos, e os homens me olhavam sérios. A cada passo que eu dava, escutava as balas furando vidros, carros, corpos, móveis. Eu via o sorriso de vingança dos três homens no carro após os crânios das crianças serem estourados ao ar.

Estava muito próximo ao portão, meu cigarro já tinha acabado e não pensei em voltar. Tirei do bolso o controle remoto, sentei na pequena praça e abri o portão. Eu via tudo o que poderia acontecer, com todos e comigo mesmo. O portão se abria e o carro começou a arrancar, vagarosamente. Minhas mãos suavam, mas não podia voltar atrás. Estava paralisado. O portão se abre completamente e o carro passa por ele. O homem para, abre o vidro do carona e fala: “Muito obrigado!”. Eu sempre criei muitas expectativas.
5 Somos Bem Normais: Tudo o que esperamos não vai acontecer Quando eu era mais jovem, há uns quinze anos talvez, eu sonhava em encontrar o amor assim: de repente. Sempre criei muitas expectativas, sem...

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